Correndo atrás dos sonhos
O
Rádio, como estação retransmissora de sinais, começou a funcionar em
Botucatu no ano de 1939. Para sermos mais precisos, no
dia 30 de
outubro. Mas até que se
tornasse realidade muita “água” correu.
A
primeira iniciativa havia ficado muito lá atrás, nos idos de 1934,
quando desceu do expresso noturno da Estrada de Ferro Sorocabana um
senhor
conhecido apenas pelo nome de R.J.W. Sherader, inspetor de uma empresa
chamada
Cacique Ltda, de S. Paulo, para estudar as possibilidades de aqui
instalar uma
estação de Rádio. Seus contactos em Botucatu restringiram-se ao
conhecido
Angelino de Oliveira e Viriato Ribeiro. Dessa
iniciativa
desconhece-se
quase
tudo.
Quem
foi Viriato Ribeiro e porque não se
concretizou, nessa ocasião, a implantação de nossa emissora de rádio?
A
verdade é que o rádio já era uma mania que crescia a passos largos,
acrescentando novas formas de vida e comportamento aos brasileiros,
desde que
Roquete Pinto inaugurara sua estação, no Rio de Janeiro, em 1923. Em
Botucatu
não era diferente. Passou a ser “chique” ouvir rádio e tê-lo em casa.
As
famílias que já podiam comprá-lo o instalavam na sala de
jantar
de suas residências. Desde o início da década de 30 o Rádio mudou o
comportamento das famílias, que, agora, se reuniam para ouvir os
programas
produzidos no Rio de Janeiro e São Paulo, na mesma sala onde, antes, às
vezes
sob a luz tênue de uma lamparina, se encontravam para jogar a tômbola. Por tudo isso, os filhos dessas
famílias
também passaram a
desejar fazer Rádio. Imaginavam-se lendo um texto, declamando uma
poesia,
interpretando numa novela.
Virou
mania e essa mania já estava na veia dos jovens botucatuenses, quando
em 1935,
Emílio Peduti e Pedro Chiaradia fundam
a Empresa Gráfica Botucatu Ltda, para editar o jornal Folha de
Botucatu. Está
lá, na primeira edição do semanário, o primeiro artigo falando sobre as
pretensões de Botucatu para obter a sua Emissora.
Entusiasmados,
os
jovens
da
cidade
passaram
a batalhar pela iniciativa. Foi nessa época
–idos de 1935/36, - que apareceu
o chefe do serviço radiotelegráfico dos Correios, em Botucatu, Olivio
Nardy,
para se transformar na peça
decisiva em busca da realização dos sonhos de Botucatu ter a sua Rádio
Emissora. Insistente, persuasivo, Olívio buscou nas páginas da Folha a
chance
de manter viva a chama. Em maio de 36 publicou seu primeiro artigo,
“Água
mole em pedra dura”, buscando
estimular a vivência do sonho com a sociedade local. Publicou meia
dúzia
deles, ao todo e foi recebendo adesões,
vendo crescer os apoios, agregando mais gente. Depois do segundo,
recebeu o
apoio de Joaquim Amaral Gurgel, que depois viria a ser o prefeito
municipal.
Depois do quinto Olívio contabiliza mais uma adesão de peso. Vivia aqui
o Dr.
Gonçalves Dente, delegado local de polícia, também entusiasta por rádio e que ficara impressionado com a
”transmissão”
que Olívio
fizera das comemorações do centenário de Carlos Gomes. Foi assim:
munido de
um amplificador Olívio esticou os fios até a Rua Amando de Barros,
colocou as
bocas de alto-falantes e transmitiu todas as solenidades
que se realizavam na Escola Normal e depois do Largo
do Rosário,
que passaria, dessa data em diante, a se chamar Praça Carlos Gomes. Era
o dia 8
de julho de 1936. O Dr. Dente ficou tão entusiasmado, que, unindo-se ao
Olívio
e mais a outros entusiastas, como Vicente Amorim, Emilio Peduti e
Delfim da Graça
Cardoso, percorreram a cidade com uma lista onde assinassem as pessoas
que
quisessem formar a sociedade, condição essencial para dar forma civil
ao
empreendimento. Uma centena de botucatuenses assinaram.
Decorridos
poucos
dias,
em
14
de
julho , menos de uma semana depois, lá estavam esses
botucatuenses na sede da Associação Comercial, no mesmo local onde hoje
está
a Acib, na Marechal Deodoro, e fundaram, em reunião que se iniciou às
19horas,
a Sociedade Rádio Emissora de Botucatu. O salão estava cheio de gente e
ao
final saíram aclamados: presidente Dr. Amaral Gurgel, vice-presidente
Emílio
Peduti, tesoureiro Delfim Cardoso.
A
Diretoria da nova sociedade agiu rápido. Ainda em julho, a 26, comprou
os
equipamentos, mesmo antes de proceder à regularização junto ao
Ministério. A
Sociedade Técnica Paulista, a STP, forneceu os equipamentos e as
orientações
técnicas, para a oficialização do requerimento ao Governo Federal.
Parecia fácil!
Passados
alguns
meses
e
a
licença
foi indeferida. A decepção foi geral. Corria o ano
de 36, os equipamentos estavam comprados, entregues e a licença não
veio. Mas,
porquê? Uma portaria do Ministério passou a ser a pedra no caminho de
nossa
emissora: Ela, a portaria 269, do
Ministério da Viação, impedia a instalação de novas emissoras num raio
de
200 quilômetros de cidades onde já funcionassem outras. Fato muito
estranho!
Quando o requerimento botucatuense deu entrada, em julho daquele ano, a
radiodifusão estava implantada no interior paulista: Já tínhamos
funcionando
a Clube de Sorocaba, a Cultura de Araraquara e a Difusora de
Piracicaba, todas
de 1933. E ainda a Clube de Rio Claro, a Clube de Jaboticabal, de 1934.
E mais a
Mantiqueira de Cruzeiro, a Jauense de Jaú, a Clube de Baurú, de 1935. Porisso é estranho: Marília solicita e instala
sua
emissora em 1936,
mesmo estando a menos de 200 quilômetros de Bauru e esta cidade instala
sua
emissora no final de abril de 35, quando a Jauense já estava desde o
início do
ano no ar. Porisso o indeferimento não fez sentido.
Durante
algum
tempo
houve
uma
debandada
geral. Os equipamentos foram guardados e
ficou o
Olívio sozinho, acompanhado de perto pelo Delfim. Esgrimando com os que
queriam
desfazer a sociedade e aguardando melhores dias.
Em
1937 Getúlio Vargas sofre a tentativa de golpe de Estado dos
Integralistas e
implanta a que seria uma das mais duras ditaduras do país, o Estado
Novo.
Organiza o DIP, passa a controlar os meios de comunicação, mas abranda
a
legislação da matéria, revogando a portaria 269, que continuava
impedindo a
instalação de nossa emissora. Era setembro de 1938, o mundo estava às
portas
da segunda grande guerra e o rádio assumia cada vez mais importância na
vida
das pessoas. Olívio Nardy, entusiasmado, voltou aos jornais da época
com
entrevistas e artigos, elogiou Getúlio Vargas e asseverou que o seu
governo...”decretou o direito de
todas as cidades do interior terem a sua estação de rádio”.
Em
23 de outubro daquele ano de 38, a Sociedade voltou a protocolar junto
ao Ministério
o seu pedido. Mas não foi fácil, novamente. A legislação tornara-se
mais
forte ainda, com exigências que enlouqueceram os botucatuenses. Mais
uma vez a
exigências atrasaram o processo de instalação. E vem 1939 e vamos
encontrar o
Olívio Nardy às voltas com a documentação dos sócios. O novo decreto,
que
levou o número 24.655, não permitia estrangeiros à frente dos meios de
comunicação e exigia um depósito,
em dinheiro, para garantir o funcionamento da emissora. E lá se vão
mais
25:000$000 (contos de reis), recolhidos entre os associados. Olívio
Nardy começa
a recolher, também, as certidões
comprobatórias dos sócios. Todas: nascimento, casamento ou título
eleitoral,
em pública forma. Não daria para fugir mesmo. Italianos, alemães,
portugueses
de nascimento poderiam estar fora, caso não tivessem solicitado
naturalização.
E mais, o Regional dos Correios Dr. Edgard Borborema tinha que conferir
(ao
vivo, olho no olho) o documento. E o Olívio atrás disso tudo!
Arrasta-se
mais
um
mês
e
somente
a 5 de julho é que o Diário Oficial Federal publica a
licença do Ministério da Viação autorizando a instalação e
funcionamento
da Rádio Emissora de Botucatu. Olívio liderou mais uma vez e como era
de
praxe, um conjunto de foguetes e bombas para chamar
a
atenção
dos
botucatuenses para os novos
fatos. Que foguetório!
De
5
de
julho
até
30 de outubro, quando ocorre a inauguração, a cidade viveu uma euforia
raramente experimentada. Concursos para speaker, escolha de cantores,
funcionamento experimental, organização da discoteca, escolha do
primeiro
diretor artístico, a localização do primeiro estúdio, os transmissores
nos
terrenos do Bacchi, a chegada dos microfones e, finalmente, a
inauguração. É o que veremos no próximo número.
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