Pioneiros
e
heróicos homens da nossa Era do Rádio
Quando
inaugurou-se nossa emissora, Botucatu ainda não atingira a marca dos
1.000
aparelhos receptores instalados. Em agosto de 42 os Correios
registravam 1.200 rádio-receptores
autorizados para funcionar. E “hái!!” de quem não o
fizesse!
O serviço político do governo
de Getúlio Vargas, mantinha, através de suas secções estaduais, um
rígido
controle sobre as autorizações que os Correios e Telégrafos deveriam
fazer. E
as sanções previstas desde o decreto presidencial de 1939 estavam
valendo:
multas de vinte e cinco mil réis para os proprietários que não fizessem
o
registro de seu equipamento e o recolhimento do mesmo para os
reincidentes. Em
setembro de 1940, as sanções continuavam valendo.
Já
existiam perto de 70 emissoras esparramadas por todo o Brasil e o
serviço de
radiodifusão empregava vários milhares de pessoas, direta ou
indiretamente,
começando a ser visto como um bom negócio.
Em
Botucatu, o período experimental estava vencido e os estúdios da Moraes
Barros
começaram a ver as primeiras tentativas de colocar no ar uma
programação.
Esse período pode ser chamado de Rádio heróico e cheio de ideal, puro e
altruísta.
Ninguém sabia fazer nada., mas todos acrescentaram uma forte dose de
boa
vontade. E como muitos tinham talento, as coisas foram indo para a
frente.
A
montagem da chamada “grade”’
de programação não foi obra fácil, mas começou a ser feita e em pouco
tempo
estava funcionando. É o que veremos.
O
Programa Gentilezas
O
programa Gentilezas foi o principal programa da nova emissora. Despretencioso,
inocente, de boa fé, colocava no ar, sob pagamento, ofertas de músicas
e
desejos de felicidade. Para tanto foi montada uma rede de coleta de
oferecimentos, esparramada por toda a cidade, com urnas em casas
comerciais, que
eram tratadas como “agentes do programa Gentilezas”. Foi uma verdadeira
coqueluche. Mas, contam os remanescentes da época, foi motivo de forte
polêmica.
O Gentilezas atravessava a programação do começo ao fim das
transmissões e
entrava também dentro de outros programas. Acabou por ser o motivo da
primeira
briga e cisão dentro do Rádio Botucatuense.
Aconteceu
assim: A pessoa que mais entendia
de operar uma rádio e que estava aqui trabalhando era
um dublê de técnico e locutor chamado Ruy dos Anjos Peyrão. Havia sido ele que ficara em
Botucatu, como funcionário
da nova emissora, para fazê-la funcionar, obviamente coadjuvando
Angelino e Olívio.
Diz ele numa estrondosa entrevista ao Botucatu Jornal, da época: “Vim a
Botucatu na qualidade de técnico da Rádio Emissora afim de proceder ao
acabamento técnico da mesma, então iniciada pelo seu idealizador, o sr. Olívio Nardy.
Organizei
o
quadro de operadores técnicos da Rádio...organizei sua programação que
julgo
ser comparável à de qualquer emissora da capital.
Atuei como locutor, trabalhei como operador, redigi
seus textos
comerciais e tive a organização inteira do broadcasting em meu poder.”
Mas
o senhor Ruy estava revoltado com o programa Gentilezas e declarou, na
mesma
entrevista, que iria embora: “Hoje, me retiro, constrangidamente da
Rádio
Emissora de Botucatu, revoltado com o proceder de sua
direção, que a meu ver visa
apenas fazer da PRF-8
uma
exploração do público por intermédio do
tal programa
Gentilezas”. E elenca em
seguida quais eram esses tais problemas: Os funcionários...” cortam
qualquer
programa para dar vazão ao programa Gentilezas. E Gentilezas vara desde
às
9:30 horas até às 23. Realizei o
Bom Dia Alegre, Programa Ferroviário, 15 minutos em Hollywood, Meia
Hora Azul,
Reminicências Vienenses, Ritmo
Moderno, Bom Gosto Musical, etc... mas tenho sofrido a desilusão de ver
quase
que diariamente esses programas “”engulidos”” pelo irritante
Gentilezas,
que sem organização (pois é um programa que atende pedidos de todos)
apresenta um solo de violino com o inimitável Mischa Elman e logo após
um
maxixe ou um fox da terra do Tio Sam.
E
arremata: “Lamentarei, sinceramente, o dia em que o Departamento
Nacional de
Censura Artística voltar suas vistas para a Rádio Emissora de Botucatu.
Sim
porque uma estação de rádio licenciada para fins educativos (segundo
licença
do Departamento dos Correios e Telégrafos, datada de 1939, para a nossa
estação)
não pode viver restritamente para a sua parte comercial.”
E
foi-se embora. Saiu para uma estação de rádio do Rio de Janeiro. E como
esses
fatos ocorreram no mês de janeiro de 1940, presume-se que a organização
ganha
pelo programa Gentilezas tenha vindo na esteira dessa crise. A verdade,
no
entanto, é que, sozinhos, os botucatuenses tiveram que aprender a fazer
rádio
por si mesmos. E o programa Gentilezas ficou!
Reportando a Guerra na
Europa
A
Emissora de Botucatu começou a funcionar em plena Segunda Guerra
Mundial. O
Brasil ainda não estava envolvido diretamente nela, porém, com uma
colônia tão
grande de italianos e alemães, seria lógico que o noticiário sobre o
conflito
chamasse atenção redobrada. Não foi diferente em nossa cidade. Fazendo
já
meio século que recebera os primeiros imigrantes, Botucatu via-se,
assim como
muitas outras cidades, no meio do conflito, onde as colônias tinham
suas preferências,
e não escondiam de ninguém. Espalhados por todos os cantos da cidade,
os rádio-receptores
funcionavam o dia todo, rodeados pelas famílias, seus visitantes e
vizinhos,
principalmente quando era chegada hora da notícia de além mar.
Para
dar as informações mais precisas e rápidas, as grandes emissoras de S.
Paulo
e da Capital Federal, Rio de Janeiro, equiparam suas programações com
noticiários
colhidos diretamente das agências de notícias. Eram matérias chegadas
até o
nosso país através de telegramas (assim é que se chamavam), enviados pelo telégrafo dessas agências, pelo processo
de
código morse, através
de cabos submarinos que atravessavam o Oceano Atlântico. Depois de
decodificados, viravam as notícias que o rádio apresentava.
O
mais famoso desses noticiosos foi o conhecido Reporter Esso,
patrocinado pela
Standar oil Co. do Brasil e apresentado pela Rádio Nacional do Rio de
Janeiro.
Não somente por ela. Gerado por agências cujas sedes ficavam nos
Estados
Unidos, o Reporter Esso era apresentado, sempre com o mesmo patrocínio
da Esso,
também pela Record de S. Paulo, Farroupilha de Porto Alegre, Clube de
Recife e
Inconfidência de Belo Horizonte e
no resto do Continente, em língua espanhola, por mais 34 emissoras
nacionais.
Isto sem contar que o mesmo noticiário era também repetido
para
35
emissoras dentro dos Estados
Unidos.
Muito
antes que o serviço entrasse no ar, nos grandes centros, sem a
sofisticação
do Reporter Esso (que só
veio a
funcionar como hegemônico na comunicação da notícia, durante a década
de
40), as emissoras já tinham seus noticiários de além mar. E não foi
diferente em Botucatu. Assim que a emissora entrou no ar, a direção
tratou de
criar o seu noticiário. Foi ousada. Buscou na voz do jovem locutor e
professor
Milton Marianno o seu primeiro apresentador. E abriu dois horário para
veicular
os últimos telegramas da Europa. O locutor Milton entrava às 11:30
horas e
depois voltava com um novo Jornal Falado às 22:30 horas. Todo o santo
dia! Corria o mês de junho de 1940 e a
Guerra estava longe de
terminar. Estes jornais atravessaram todo o Conflito, hora num horário,
hora em
outro. Mas sempre foram uma constante na “grade”
de programação. Qual seria o processo para a busca da notícia, eis a
curiosa
pergunta? Não seria de estranhar
se algum dia venha a ser constatado que o Olívio Nardy, apaixonado
executivo da
nova emissora de Botucatu e, também, chefe
do tráfego telegráfico dos Correios de nossa cidade, trouxesse os
telegramas
noticiosos direto daquele setor para serem lidos. Eu não estranharia.
Ainda na
década de 60, sob liderança do Plínio Paganini, vários
radio-telegrafistas
ainda trabalhavam na captação dos telegramas, emitidos pelas Agências
Internacionais de hora em hora, despreocupadas, pois, equipamento de
captação
(um bom receptor hallicraft) era de uso restrito à Polícia, Correios e
Sorocabana e necessitava de um bom operador.
De
qualquer forma o noticiário sobre a guerra na Europa empolgou os
botucatuenses
de tal forma que um cronista na época, em
junho de 1941, após tecer elogios à cobertura jornalística da Segunda
Guerra, chegou a importar-se com o fato de
que, na hora
desse programa, as ”...
pessoas
ficam
inteiramente
embotucadas diante de um aparelho de rádio”.
Vivendo
o Reinado de Momo!
Nem
bem tinha sido colocada no ar e a nova Emissora ensaiou sua primeira
transmissão
externa. Ela foi feita aqui mesmo na cidade, mas foi chamada externa
pôr ser
fora dos estúdios Naquele ano de
1940 Botucatu preparava-se para realizar um carnaval de primeira linha.
Na
realidade pretendia repetir o carnaval de 39 que, segundo todas as
opiniões,
havia sido memorável. Haveria, então, bailes de salão no Hotel Paulista
–
hoje Botucatu Hotel – baile concorridíssimo, com a fina flor da elite
local e fariam bailes, também, o
Teatro
Espéria, a Liga Estudantina Botucatuense (que alugara os salões do
Clube 24 de maio), o Bloco Guarani - em seu “rink” - especiais para a
comunidade negra da cidade e, finalmente, o Gabinete Literário e
Recreativo,
clube que estava instalado onde hoje é o prédio da Rádio Emissora.
Coincidência
ou não, o baile do Recreativo foi o escolhido para ser irradiado (como
se fala
ainda hoje). E foi! Para o Gabinete foram transportados os equipamentos
e nos
dias adequados tudo foi ao éter num
patrocínio da Companhia União dos Refinadores. Naquela ocasião
realizavam as
transmissões dois locutores: o primeiro deles, já quase um veterano,
Nelson de
Campos Pires, de quem já falamos – locutor dos pioneiros, desde os
tempos do
período experimental. O outro, um novo e promissor artista, professor
Germano
Hansen, conhecido então como “Germano speacker”. Talentoso, Germano
realizaria uma trajetória das mais profícuas, ficando no rádio até
meados da
década de 50, quando realizou um vasto e brilhante trabalho de produção
–
com seu parceiro Mário Costa Novo – de trovas, poemas, músicas,
relativas à
cidade, à emissora local e à sua gente. Mas... esta é uma outra
história e
fica para outra vez.
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