A princesa negra da fazenda velha
A
bela Wika Yawuwu nasceu na África. Pertencente à nação de povos Nagô,
foi
raptada ainda jovem, ou talvez criança, para ser vendida pelos
traficantes de
escravos, aos senhores do Brasil.
As
irmãs Benedicta e Julia,
netas
de Francisca Jesuína
Chegou
numa noite de junho de
1849. O navio aguardou ao largo do mar de Angra, bem defronte ao Porto,
até que
a maré mais alta da noite permitisse sua aproximação. Inglês, de nome
Andraus, o barco foi chegando de manso, em silêncio, puxado apenas pela
força
dos remadores. Velas abaixadas, só se iluminou quando as luzes dos
archotes da
povoação, lançaram seu clarão no todo da embarcação. Aí, pode-se ver a
bandeira, americana, que o barco inglês desfraldava.
Os
escravos, junto deles a bela
Wika, foram levados para a casa do tráfico, no local, para seguir, na
manhã do
outro dia, para Taubaté. A antiga cidade do Vale do Paraíba era
próspera ,
já por aquela época. O Café era o responsável. Saído do Rio de Janeiro
no
final do século XVIII, o Café enfeitiçara o Vale todo. Grandes e belas
cidades floresciam sob a riqueza gerada com as exportações e Taubaté
era uma
delas. Era lá em Taubaté que os negociadores de escravos íam encontrar
os
traficantes, para estabelecer com eles a compra do fator básico da
riqueza, a
força de trabalho. Lá, na praça da forca, a compra e venda dos escravos
se
processava.
Foi,
também, lá que um
comprador de escravos, empregado na Fazenda Pinheiro Machado, de
Charqueada, foi
encontrá-la. Wika rumou, com os demais escravos comprados, para
Charqueada
tendo, algum tempo depois, se transferido para a Fazenda Velha, também
propriedade dos Pinheiro Machado, em Botucatu.
Wika
Yawuwu virou Francisca e,
dela, seus descendentes contam o que ouviam de seus antepassados:
Francisca
viera ainda menina para o Brasil, como parte do rapto perpetrado pelos
traficantes de escravos numa das regiões que abrigavam tribos de povos
Nagô.
Era linda e elegante e trazia sinais, em seu nariz e perto dos olhos,
costumes,
diziam seus antepassados, que identificavam descendência especial, uma
espécie
de imperatriz e sacerdotisa. Histórias, ouvidas dentro da própria
família,
contadas pelos seus membros mais antigos, entre eles um dos filhos da
Escrava
Francisca, Umberto Pinheiro Machado, falam insistentemente, que, quando
a mesma
vinha para a cidade, usando seu barrete à cabeça e exibindo os sinais
em seu
rosto, era tratada com reverência pelos seus conterrâneos, da mesma
nação.
Esses detalhes convencem seus descendentes, hoje, que a escrava
Francisca era
especial, também para seus conterrâneos.
Consultando
o diário de bordo do barco negreiro Andraus, nos arquivos da capitania
dos
Portos, no Rio de Janeiro, Dito Machado, um dos inúmeros bisnetos de
Wika
Yawuwu, diz ter encontrado referência que "...uma peça de raro valor e
beleza, viajava a bordo do navio". Essa referência, a família, acha
inequívoca.
Dito
Machado
A Escrava
Francisca vivia com
Antonio Antonini, conhecido escravo da mesma Fazenda Velha, hoje limite
da
cidade, nos altos da Vila dos Lavradores. Deixou larga descendência,
biografada
por Paulo Pinheiro Machado, em seu livro Genealogia da Família Pinheiro
Machado. Dito Machado, hoje lojista na localidade conhecida como Mina,
dedica-se
a perseguir os sinais deixados pela trajetória, fascinante, da figura
original
do clã, Wika Yawuwu.
A Fazenda
Velha é uma velha
unidade, muito conhecida dos botucatuenses mais antigos. Pertenceu à
família
Pinheiro Machado e, nela, nasceram e residiram os Pinheiro Machado que
hoje são
nome de rua e cuja vida mistura-se com a construção de nossa cidade.
Pertenceu, de fato, a um dos filhos de José Gomes Pinheiro, Major
Matheus Gomes
Pinheiro Machado, o Major Matheus, que dá nome à principal artéria da
Vila
dos Lavradores. Nela nasceram seus filhos, entre outros, o Coronel
Matheus Gomes
Pinheiro Machado, Augusto Gomes Pinheiro Machado e Brasil Gomes
Pinheiro
Machado. Eram ao todo oito irmãos.
No final
do século XIX algumas
trilhas conduziam às fazendas do setor nor/noroeste da cidade. Pelo
caminho
que, hoje, virou a rua Lourenço Castanho, se ía ao Córrego Fundo, lugar
das
fazendas Santana e outras. Pelo caminho da atual Avenida Jaguaribe se
rumava
para a Fazenda Boa Esperança. E depois da porteira onde terminava a rua
principal da Vila dos Lavradores, pouco acima da residência do
ex-vereador
Dêmadi Lunardi, se ía à Fazenda Velha, dos Pinheiro Machado.
Ali, na
Fazenda Velha, nasceu,
em 1874, Paulo Machado, filho da escrava Francisca Jesuína, a princesa
negra,
cuja história estamos acompanhando. Nasceu quando o jovem Brasil Gomes
tinha 17
ou 18 anos e, conta a família que nasceu do relacionamento havido entre
Francisca e Brasil.
Paulo
Machado casou apenas em
1896 (18 de abril), numa cerimônia presidida pelo monsenhor Paschoal
Ferrari e
testamunhada por nada menos que seus (possíveis ) tios Augusto Gomes
Pinheoiro
Machado e Matheus Gomes (o Coronel).
Numa vasta
área, compreendida
hoje, entre a Avenida Jaguaribe, a Major Matheus e a Leonardo Vilas
Boas,
existiu uma ampla chácara onde Paulo Machado e Ignes Maria da Conceição
(sua
esposa), viveram e criaram seus filhos. Paulo Machado foi nomeado,
ainda em
1901, por Epitácio Pessoa e Campos Sales , Alferes do primeiro
Esquadrão, do
34º Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional da Câmara de Botucatu e,
depois,
primeiro porteiro do Grupo Escolar de Botucatu, tendo passado à Escola
Normal
em 1916, na função de contínuo, cargo que desempenhou juntamente com
outro,
fiscal de quarteirão do Bairro da Estação, nesta cidade.

Registro da certidão de casamento
assinada pelo pe.
Paschoal Ferrari
Desse
casamento nasceram as netas da princesa Wika Yawuwu, as botucatuenses
Benedicta Pinheiro Machado Guerreiro e Júlia Pinheiro Machado Baptista,
que nasceram e viveram, como vivem, até hoje nos amplos quintais de
suas casas, na Rodrigues Cesar, admirando as velhas mangueiras e outras
árvores frutíferas, plantadas no início do século, remanescentes das
imensas chácaras dos altos da Vila dos Lavradores, tetemunhas de um
passado que não volta mais.