ENTREVISTA


por João Carlos Figueiroa e Olavo P. Godoy

Nunca houve uma Miss como ela. Não há, até hoje, roda de conversa que, ao abordar a questão do Centenário de Botucatu deixe de falar de Aparecidinha Vieira, alegre menina que aos quinze anos, empolgou sua terra, tornando-se, por escolha de seus conterrâneos, a Rainha do Centenário. Tornou-se um mito, quase irreal... uma dessas figuras históricas que os analistas gostam de citar para desvendar o inconsciente coletivo de um povo.

Aparecidinha Vieira corporificou o que Botucatu queria ser nos seus cem anos... jovial, inteligente, arrebatadora. É exatamente assim que, os que a citam, lembram dela. É assim que já passou para nossa história, como a mais deslumbrante Miss que Botucatu elegeu.

Nascida Maria Aparecida Vieira, mas conhecida como Aparecidinha Vieira, ela está de volta à sua Terra Natal, depois de longa ausência. Hoje é a professora Maria Aparecida de Carvalho Vieira Antonângelo, ensina História da Arte e, como ela mesmo diz, casada com descendente de italianos.









João Passos, vice-presidente 

da comissão executiva

e presidente do BTC , 

com Aparecidinha Vieira

 

 

 







Figueiroa: O seu pai tinha uma loja, famosa, em Botucatu, não é?

Aparecidinha: Verdade. Essa loja foi a primeira loja de modas em Botucatu. Papai importava muitos produtos, perfumes, roupas, rendas, produtos de beleza, e essa loja se chamava Casa Excelsior, aliás A Excelsior. Era muito boa aquela loja... era uma loja diferenciada. Ficava ali, defronte ao Café do Ponto.

 

Figueiroa: Como é que se chamava o seu pai?

Aparecidinha: Otávio Rodrigues Vieira.

 

Figueiroa: No dia em que houve o lançamento do livro da Glorinha Dinucci, eu encontrei com o Edson, um comerciante logo ali naquela esquina com a Moraes Barros. Você também estava lá e ele, comentando, disse que foi seu vizinho e amigo, desde a infância. É isso?

Aparecidinha: É verdade. É meu amigo de infância. Os nossos quintais eram vizinhos. Nós residíamos nos fundos da loja e o Edson também. Então nós éramos amiguinhos e ficávamos em cima de árvores dos quintais, conversando por cima do muro. Eu num pessegueiro e ele, se não me engano, num abacateiro.

 

Aparecidinha Vieira e a Miss 

IV Centenário de São Paulo

 

 

Figueiroa: E essa idéia de candidatar-se à Rainha de Botucatu, como é que nasceu?

Aparecidinha: Olha, a idéia não foi minha. Eu nem sabia que queriam que eu fosse candidata. O Rotary Clube se reuniu, quando da época do Centenário e o meu nome foi o escolhido, pelos sócios do Rotary. E foram me fazer uma visita e então me perguntaram se eu aceitava. A princípio eu não queria aceitar, mas depois, o convite foi tão delicado, insistente, que eu acabei aceitando.

 

 

Figueiroa: Você falou, também, que era esportista, nessa época e que praticava muitos esportes. Que tipo de esportes você fazia?

Aparecidinha: Eu fui campeã de tênis de mesa e de natação. Eu nadava muito no Tênis Clube e no Tênis eu participei dos campeonatos regionais. Eu me lembro que eu peguei a medalha de melhor velocidade nos 100 metros nado livre e o segundo prêmio em salto do trampolim.

 

Figueiroa: Nesse tempos os jogos eram muito disputados, pela juventude de Botucatu, não é?

Aparecidinha: A presença dos estudantes era maciça. A presença e a participação. Era vibrante, apaixonada!

 

Figueiroa: Você acha que houve mudança na forma de participação da juventude, se comparados os dias de hoje com os de sua época?

Aparecidinha: Na verdade quando eu voltei, há três anos atrás, eu encontrei uma receptividade do meu povo, emocionante; então pra mim, o Botucatuense é o mesmo, Botucatu é a mesma. Naturalmente, quando voltei, eu notei que muita gente veio para Botucatu, por causa das Faculdades mas, mesmo assim achei, que Botucatu continua tendo um nível cultural bastante elevado, o que faz com que eu tenha orgulho de ser botucatuense.

 

Olavo Godoy: Aparecidinha, na época você era estudante na Escola Normal?

Aparecidinha: Era. Eu tinha quinze pra dezesseis anos, queria ser professora, depois eu fiz Belas Artes em São Paulo e agora eu voltei para Botucatu e hoje eu sou professora de História da Arte, aqui em Botucatu. As minhas aulas são particulares e o meu curso é livre.

Olavo Godoy: Naquela época, quem eram os professores?

Aparecidinha: Ah, eu fui aluna do professor Pedretti, eu fui aluna do professor de música Aécio, excelente professor, fui aluna do Dr. Sebastião de Almeida Pinto. e...

 

Olavo Godoy: E matemática, quem dava aulas...?

Aparecidinha: Cid Ghelli e modéstia à parte, eu era a primeira aluna dele. Eu era apaixonada pelo professor e pela matéria. Quando o professor é muito bom o aluno apaixona-se pela matéria. E eu, até hoje gosto de matemática e física, cujo professor era o Gustavo M. de Campos e, também o professor Aranha Pacheco, de química, física e biologia. Nós tivemos grandes professores.

 

Figueiroa: Relativamente ao concurso para a escolha da Rainha, depois que os nomes foram apresentados, consta que a cidade se envolveu tanto com a disputa, que acabou se preparando para comemorar o Centenário. Foi isso mesmo?

Aparecidinha: É verdade! Esse concurso rendeu bastante porque os votos eram comprados. Pra falar a verdade, eu não vendi um voto sequer. Porque eu tinha vergonha e eu me lembro que no dia da apuração final, essa apuração foi feita na PRF-8, aqui de Botucatu e quando eu soube que eu havia ganhou, estourou uma dor de cabeça... de nervoso! Eu fiquei emocionada.

 

Figueiroa: Tinha muita gente na apuração?

Aparecidinha: Tinha... mas eu não estava. Eu fiquei em Casa, esperando.

 

Figueiroa: Nota-se pelos jornais que houve uma evolução, sempre crescente, de seus 

votos, num período de, no máximo, um mês. A que você atribui essa preferência?

Aparecidinha: Foi um trabalho, muito bem feito, liderado, principalmente, pela dona Lourdinha. Eles compuseram um trabalho organizado, bem feito, então, a cada semana eu aparecia com mais dois mil votos, mais dois mil votos... então era sempre assim, dois, mais dois, mais dois... as outras, apareciam resultados com números quebrados. Então, dava pra perceber que era muito organizado o trabalho feito em torno do meu nome.

 

Figueiroa: E como foi esse período entre a vitória e a coroação, no Baile?

Aparecidinha: Eu somente fiquei nervosa no dia da apuração. Mas depois, imbuída de muita responsabilidade eu fiquei muito preocupada em bem representar a minha terra. Eu fui entrevistada pelos mais diversos repórteres, eu fui entrevistada por políticas, que vinham a Botucatu. Eu participei de muitas cerimônias oficiais, eu dei testemunho da minha natureza botucatuense, da minha natureza de filha, da minha natureza de estudante, da minha natureza de jovem querendo alguma coisa da vida.

 

Figueiroa: E hoje, passados quase cinqüenta anos, olhando todo aquele movimento, como você vê tudo o que aconteceu? O que significou pra você aquelas comemorações do Centenário?

Aparecidinha: Ah... significou patriotismo... amor por Botucatu. E isso me deixou muito orgulhosa. Porque eu sou botucatuense até a raiz do cabelo. Já recebi o título de cidadã barrabonitense, onde já residi por 23 anos, mas o meu coração pertence a Botucatu. Então, eu percebi que o povo vibrava, o povo trabalhava, o povo se incentivava com todas as comemorações e desde a criança... eu me lembro que crianças iam à minha casa pra me ver, pra conversar comigo e me chamavam de Miss CentenáriA... Eu passava na rua e eles me chamavam: Miss CentenáriAAA. Eu notei que a participação foi total, de crianças, de jovens, de pessoas de mais idade, de pessoas cultas, de pessoas simples... tudo por amor a Botucatu.

 

Figueiroa: No dia do Desfile, o ponto alto das comemorações, quando você estava lá com as princesas, com a Miss IV Centenário de São Paulo, com a Mais bela esportista paulistana, como que foi desfilar na Amando como todo aquele povo tomando duas calçadas?

Aparecidinha: Ahh... (neste momento a entrevistada parou, emocionada) Foi... emocionante... eu me senti muito amada. Eu senti que realmente eu representava... (a entrevistada soluça, emocionada) ...a minha terra e eu me senti amada, como eu amei, amo e vou sempre amar minha terra.

 

Figueiroa: Eu imagino que, pela sua emoção, durante todo o desfile, vocês vieram chorando...

Aparecidinha: Não, eu só sorria, sorria e acenava muito... Muito orgulhosa de representar essa beleza que é Botucatu.

 

Figueiroa: A gente vê pelas fotos que você está sempre com um sorriso muito aberto.

Aparecidinha: Eu sou muito alegre, eu sorrio bastante.

 

Olavo Godoy: Aparecidinha... toda mulher, o ponto alto da mulher, quando vai num baile é o vestido. Então, eu gostaria de perguntar a você quem confeccionou o seu vestido de baile?

Aparecidinha: O meu vestido de baile foi confeccionado por uma amiga de minha mãe e eu desenhei o meu vestido. Foi desenho meu, foi criação minha. Eu ganhei o tecido do senhor chamado Bahig Hashui, que era dono da Casa Confiança, ali na esquina do Bosque, onde hoje está o Banco do Brasil. Então era um damasco, vindo de Damasco mesmo. Era um tecido feito de fios de cetim com fios de metal dourado. Então, a parte superior do vestido era toda bordada com pérolas para acompanhar o brilho do cetim e pedras douradas, da cor de topázio, acompanhando o dourado do fio metálico do tecido.

 

Olavo Godoy: E qual foi essa sua amiga que confeccionou o vestido?

Aparecidinha: Quem confeccionou foi uma amiga da minha mãe que morava no Lajeado, dona Elvira Gil.

 

Olavo Godoy: Aparecidinha. Esse vestido, você conservou ele durante muitos anos?

Aparecidinha: Conservei. E não sei o que aconteceu com ele. Ele foi tão bem conservado durante tantos anos... que para falar a verdade... não sei, depois, o que foi feito dele.

 

Olavo Godoy: Poderia ser peça de um Museu, hoje, não?

Aparecidinha: É Poderia, num museu de Botucatu, poderia, é verdade!

 

Figueiroa: E do Baile, que recordação você tem?

Aparecidinha: Olha, o baile foi muito bonito, tinha muita gente, a presença de políticos importantes do Estado de S. Paulo, Abreu Sodré, Cunha Bueno, e outros que eu conhecia... os prefeitos de todas a região. E eu gostaria de lembrar que ganhei uma jóia muito bonita do Pedro Pedutti. Foi uma pulseira de águas marinhas, muito bonita. Ele doou essa pulseira pra quem ganhasse, pra rainha do Centenário. E eu ganhei essa pulseira.

 

Figueiroa: Aparecidinha, ser a Rainha do Centenário foi o maior acontecimento da sua vida?

Aparecidinha: Não. O maior acontecimento da minha vida foram os nascimentos dos meus filhos. Quando eu fiquei mãe eu vibrei muito.

 

Figueiroa: Como eles reagem tendo a mãe Miss de Botucatu? O que é que eles falam?

Aparecidinha: Eles dão risada, brincam comigo... Pra falar a verdade, eu nem sei se já mostrei as fotos do Concurso, ou se já mostrei quando eles eram menores. A vida de hoje é tão corrida que não se lembra disso, a não ser uma época como esta.

 

Olavo Godoy: Contam amigos nossos, bem mais velhos, que desde essa época Aparecidinha era uma mulher muito linda, então, os jovens estudantes da Escola Normal, costumavam sempre ir até a porta da loja do pai dela só pra ver a Aparecidinha Vieira.

Figueiroa: Era isso, Aparecidinha?

Aparecidinha: Eu não sei se era. Eu nunca fui de perceber essas coisas. Veja bem. Eu não estou querendo que vocês pensem que eu fosse a tal, que eu me achasse a tal, que não via ninguém. Não é nada disso. É que eu nunca me considerei bonita como falam. Nunca. Eu nunca me achei feia, mas bonita assim como você fala, nunca me considerei.



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