O POVO DO MATO E O POVO DA CACHOEIRA
Nas matas que
circundavam a Cuesta, beirando o grande Rio Tietê e
afluentes, existiam muitas tribos de índios. Quando se deu a ocupação
do território, eram os Kaingang que aqui estavam. Suas aldeias
podiam ser encontradas numa vasta área que se situava entre as
elevações da Cuesta e a margem esquerda do Tietê, ou atravessando este,
na sua outra margem, para os lados de Dois Córregos.
Essas aldeias Kaingang agrupavam-se por identidade da língua que falavam, estando o povo Kaingang dividido em: Kaingán, Weyana e Aweikoma; era a grande família lingüística Kaingang. O primeiro grupo, por sua vez, subdividia-se em seis dialetos, praticados cada qual com suas diferenças.
Um desses grupos, os Aweikoma, era também conhecido como Xocrés, grupo da mesma família lingüística, mas com diferenças culturais palpáveis, o que os fez, por muito tempo, ser registrados pelos etnólogos, como grupo não-Kaingang. A esses Xocrés (Aweikoma) é que se dava o nome de Botocudos, pelo hábito que tinham de inserir pedaços de madeira (tembetá) no lábio inferior da boca, até que, adulto, cada indivíduo ostentasse um adorno circular enorme, o Botoque. Ao contrário, os outros grupos Kaingang não usavam o tembetá.
Havia, no entanto, um procedimento comum a toda essa nação indígena brasileira, que era a estranha forma de cortar os cabelos, o que lhes fez ganhar dos brancos o apelido de Coroados.
Kaingán e Xocrés eram também muito diferentes quanto à forma de produzir seu sustento. Os primeiros eram tribos de agricultores: sedentários, mudavam menos e faziam roças ao lado das aldeias. Os Aweikoma (Xocrés), ao contrário, eram ainda um grupo primitivo. Reuniam-se em pequenas hordas para a caça e coleta de frutos silvestres e mel. Nômades, os Xocrés desconheciam a agricultura.
Eram chamados por hordas vizinhas de Xocrés, o que significava "Gente da Cachoeira", mas eles rejeitavam esse apelido e, convidados a se definirem, chamavam-se Aweikoma. Os Kaingán, os Aweikoma e os Weyana, referiam-se a si mesmos como Kaingang, "Gente do Mato".
Todas essas tribos costumavam usar o arco e a flecha em suas caçadas e guerras mas, mesmo neste particular, existiam diferenças. Os Kaingán e os Weyana guerreavam de dia e incluíam a lança de arremesso e chuço, como arma complementar. Os Xocrés preferiam a noite, desconhecendo a lança, mas lutavam com "uma arma que é boa para chuçar e bater, não porém para atirar...".
Quando foram estudados guardavam antigos sinais de suas relações primitivas, já então desaparecidas: leves insinuações de totemismo para identificação dos clãs (conjunto aparentado por laços de sangue) e sobrevivências dessa organização social, expressa na pintura dos corpos.
Em torno da anta, animal nativo, os Kaingang desenvolveram alguns comportamentos, como dar ao alimento dela – uma planta denominada "ûyólo nya tëí" (alimento silvestre da anta) – um forte poder vital. Faziam com essa planta chás para serem tomados, concomitantemente com massagens no corpo.
Os Aweikoma (Xocrés) – nômades, caçadores/coletores – foram-se cedo daqui e estavam na região que hoje pertence ao Estado de Santa Catarina quando, no início do Século XIX foram brutalmente perseguidos, quase dizimados, a partir de 1836. O contacto pacífico estabeleceu-se entre 1865/1868, atraídos para a catequese, mas só foram recolhidos a uma aldeia, sob orientação do SPI, em 1914.
As outras tribos Kaingang (não botocudos) dispersaram-se pelos vales do Rio do Peixe e do Rio Feio (atual Aguapeí), ambos paralelos e ao sul do Rio Tietê e, como este, desembocando no Rio Paraná. Quando o povoamento desta região havia fincado raízes no meio-oeste de São Paulo, e surgiram povoações como Avaré, Salto Grande, Santa Cruz do Rio Pardo, Pirajú, os Kaingang internaram-se ainda mais para o Oeste, descendo abaixo das quedas d’água, das corredeiras e grandes cachoeiras desses dois rios. Foi aí que, em 1905, uma expedição da antiga Comissão Geográfica e Geológica do Estado de S. Paulo foi encontrá-los: "Em conseqüência das constantes incursões que os sertanejos têm feito às aldeias dos coroados, estes, para se livrarem dos opressores, concentram suas habitações na parte baixa dos rios, onde a viagem em canoas é embargada pelos saltos e cachoeiras ou então em parte mais central, no divisor dos dois rios, cuja distância da zona civilizada dificulta as incursões".
Foi também
para ali que migraram os outros dois povos mais encontrados na região,
à época do povoamento (sec. XIX): os Xavante e os Caiuá,
ambos
internados
nas
densas
florestas
do
Vale do Rio Santo Anastácio,
tributário do Paraná, no extremo sudoeste do Estado.