DO CEMITÉRIO VELHO DE GHAREHY À FAZENDA BOA VISTA DO VOTUCATÙ
...jesuítas, escravos e bois no caminho das minas do Mato Grosso
Colégio Jesuíta de São Paulo, em foto de 1860, centro que impulsionou a organização das Fazendas em Guareí e Botucatu
Estando o Colégio de São Paulo em dificuldades financeiras, jesuítas ali residentes, procuraram, por volta de 1721, criar uma fonte de rendas que resolvesse essas aperturas. Entre os grandes entusiastas das idéia destacou-se o Padre Estanislau de Campos, jesuíta nascido em Itú, cuja família era muito rica. O objetivo era ter uma grande fazenda de criação de gado. Para isso, Padre Estanislau convenceu seu irmão José de Campos a doar uns terrenos situados junto ao Rio Guayary (Guarehy), nas terras do município que hoje tem o mesmo nome. Pouco antes, persuadira o Reitor do mesmo Colégio a comprar outros campos, ao lado do primeiro. Aumentou esses domínios com outra doação conseguida junto a outro seu irmão Manoel de Campos Bicudo, antigo sertanista e famoso Bandeirante, dos tempos da escravização indígena (fins do século XVII). Com esses trechos imensos, englobou terrenos da Serra de Botucatu, talvez incluindo terras que formariam, depois, a tal "Fazenda do Atalho". Esses domínios, então, ficaram sendo: da margem direita do Rio Guarehy até o Paranapanema, descendo este, pela margem direita também, até depois do Morro do Ubatuabaré (Avaré) E, deste morro, para o Norte, até as matas do Morro do Hybyticatú. Esses terrenos, ocupados ainda no final do século XVII (1690) pelos criadores de Sorocaba, foram encontrados quando estes progrediram com suas criações pelas terras ribeirinhas do Rio Sorocaba até chegar ao rio Tatuí, subiram por este até o divisor entre o Paranapanema e o Tietê de onde, seguindo o Rio Guareí, povoaram de animais os campos ali existentes, de sua nascente até a desembocadura no Paranapanema. Como vimos, ótimos em aguadas, restingas e barreiros, que supriam a necessidade de sal para o gado, já haviam sido objeto de cobiça. Findo o ciclo do bandeirismo de apresamento ao Indio, antigos bandeirantes e seus descendentes foram pedindo ao Rei de Portugal, e foram obtendo, sesmarias onde melhor lhes parecia. Escolheram os campos onde foram sesmeiros alguns dos principais bandeirantes. Não sem motivos; esses campos ficavam no antigo caminho terrestre que conduzia às Missões Guaranis do Rio Iguaçu e Paranapanema, às Sete Quedas e ao Paraguai.
Ao criar as fazendas, no início do século XVIII, Padre Estanislau tinha perto de 80 anos de idade e sua saúde não era muito boa. Porém, tão logo ficou claro que não encontrariam um administrador, dada a escassez de padres no Colégio, ofereceu-se para o trabalho de administração do novo prédio.
Percorria as Fazendas todos os anos, mesmo à incrível distância em que elas se encontravam – 90 léguas de São Paulo; procurando executar suas deliberações através de homens de sua confiança. Muito esforçado, levou até o fim a edificação do prédio das Fazendas, alcançando lugares distantes e desabitados, atravessando matas repletas de animais selvagens e rios traiçoeiros.
Inácio deda Companhia de Jesus
Pronto o prédio, a criação de animais foi crescendo e tornou-se proveitosa para o Colégio de São Paulo, mormente quando do crescimento da mineração no sertão do Cuiabá. É que, estando à beira do caminho que levava àquelas minas de ouro, a Fazenda passou a servir de pouso e abastecimento às caravanas que para lá se dirigiam. Aloísio de Almeida, historiador e floclorista, aponta a sede da Fazenda de Guareí, na própria cidade e seu prédio, ao lado do cemitério velho; e o da Fazenda Botucatu, sugere estar na Fazenda Santo Inácio, junto ao rio do mesmo nome. O historiador Hernani Donato, que estudou o assunto a fundo, diz que documentos antigos falavam em "Fazenda Boa Vista do Votucatù".
As Fazendas jesuítas de Guareí e Botucatu funcionaram durante toda a primeira metade do século XVIII e são consideradas pioneiras, por sua fixação dos homens nesta parte do sertão paulista e pelo seu papel no desenvolvimento econômico da região, que por esse tempo era considerada fronteira de ocupação. Em 1759, as Fazendas foram desativadas, quando os jesuítas foram expulsos de todos os domínios de Portugal, por ordem do Conde de Oeiras e Marquês de Pombal (foto), Sebastião José de Carvalho e Mello. Diplomata de carreira, com a subida ao trono de D. José I (1750), foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Influente, passou a dar as cartas em todos os domínios portugueses, inclusive no Brasil. Com os jesuítas, suas diferenças culminaram com a promulgação das leis de 1755 e 1758, que proclamaram a liberdade indígena, uma espécie de "não-tutela", retirando-os da condição de protegidos dos Jesuítas. Nessa época eram constantes os atritos entre jesuítas e sertanistas de São Paulo, envolvendo questões relativas ao trabalho indígena, como contratação daqueles que estavam "reduzidos" às aldeias administradas pelos jesuítas, para compor Bandeiras ou Entradas, enfim. Na ocasião da supressão da Companhia de Jesus, de Portugal seus domínios, 600 padres retiraram-se do Brasil, expulsos, sendo suas propriedades seqüestradas e depois leiloadas.
Em 1769, quando ainda nada havia sido resolvido, o Governo de São Paulo era quem "tocava" as Fazendas, pelo que se vê em um documento enviado pelo Governador D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, em 28 de setembro: "...aqui se me fizerão alguns requerimentos para se dar as providências necessárias para o bom governo da Fazenda do Votucatù, o que tudo remeti a Vossa mce para ver como se acha, mais perto, julgue e disponha o que se deve determinar, principalmente para se tirar o gado velho para se cortar no assougue e fazer rendimento deixando sempre aquelle número de cabeças que havia no tempo do seqüestro, do gado mais novo e melhor".