O CAMINHO DA FAZENDA DO ATALHO
...e o mistério da povoação de "São Bom Jesus do Ribeirão Grande"
Caminhos antigos, de antes do descobrimento da América, cruzavam o Continente servindo de estrada para os índios.
Pés de Pai Sumé - sinais marcados na rocha. Baia de Paranaguá - PR
O mais conhecido desses
caminhos chamava-se Peabirú. Era uma trilha aberta através de
matas e campos, com muito uso, que ligava lugares distantes, como São
Vicente, no litoral paulista e Cuzco, no Perú. Entre os índios
contava-se ter sido, o Peabirú, feito por Sumé, lendário
personagem presente no imaginário de quase todas as tribos da América
do Sul. Esta história foi relatada pelos primeiros jesuítas que vieram
ao Brasil, em suas cartas a Portugal e Espanha. Nelas, eles falaram de
fatos e histórias aqui ouvidas, ligados a esse herói civilizador.
Entenderam
tratar-se,
realmente,
de
São Tomé.
Do Peabirú
dizia-se possuir oito palmos de largura, ser muito fundo e permanecer
milagrosamente bem cuidado e limpo.
Capela da Redução de Loreto. Vale do Paranapanema
No território paulista o caminho Peabirú descia de São Paulo pelo vale do Rio Tietê, até onde hoje estão as cidades de Itú e Sorocaba e, depois, tomava o rumo dos grandes campos do sul do nosso Estado. Então, se dividia em dois ramos: à esquerda, um braço rumava ao Rio Grande do Sul, por terras que seriam, muito depois, os municípios de Araçoiaba da Serra, Itapetininga e Itapeva, procurando chegar aos campos de Curitiba. À direita, saindo de Sorocaba, ainda seguindo através dos campos, os viajantes caminhavam buscando pelos morros isolados do Guareí, do Bofete e pelas montanhas da Serra de Botucatu. Avistadas essas referências e vencidos obstáculos como o Rio Guareí, tomavam à esquerda, novamente, atravessando o Rio Paranapanema para penetrar densas florestas, buscando chegar ao território dos Carijós, onde jesuítas espanhóis haviam estabelecido um total de treze missões guaranis, destruídas posteriormente por Raposo Tavares, ainda no início do século XVII. Dali, seguiam a Assumpción. Deste ponto o Peabirú permitia alcançar o Perú, do outro lado da América.
Praça central da Redução de Santo Inácio - Vale do Paranapanema
A região localizada junto à Cuesta e à beira do Paranapanema, no trajeto do Peabiru, era já conhecida há tempos imemoriais, tendo seus terrenos sido ocupados apenas no final do século XVII, quando foram doadas as primeiras sesmarias. Porém, muito antes disso, os campos compreendidos entre os rios Guareí, Paranapanema e os morros da Serra de Botucatu, foram procurados por serem bons para pastagens. Descobertos por criadores de Sorocaba, que progrediram na ocupação dos territórios ao longo do Rio Sorocaba e Guareí, receberam o nome de Campos do Paiol, tendo sido considerados ótimos para criação, pelas suas aguadas e excelentes barreiros, ricos em sal.
No início do século
XVIII, os Campos do Paiol passaram ao controle dos Jesuítas do Colégio
de São Paulo, que constituíram ali duas grandes fazendas de criar gado,
estrategicamente postadas à beira dos caminhos que conduziam às minas
de ouro do Mato Grosso.
Redução Jesuíta da Província das Missões, sobrevivência da primeira onda de reduções criadas pelos Jesuítas espanhóis a leste do rio Uruguai. Século XVI
Quando os jesuítas construíram um mínimo de instalações para seu abrigo e de seu gado, as fazendas jesuítas passaram a ser uma referência a mais para os viajantes, de maneira que as caravanas paravam ali, para que seus componentes refizessem as energias e seguissem viagem. Ao fundo, à beira do Paranapanema, um rudimentar porto para as canoas que íam e vinham. Nas instalações, uma espécie de estalagem.
Por outro caminho,
utilizado principalmente na volta, os sertanistas deixavam suas canoas
nas imediações da grande cachoeira do Paranapanema, chamada Paranan
Itú e seguiam por um caminho seco, por dentro de imensas florestas
e campos, até os morros de Botucatu e dali desciam a Serra buscando
descansar nas Fazendas Jesuítas do Paiol. Descansados, faziam o mesmo
caminho, até a Vila mais próxima.
Pois foi bem aí que surgiu um povoado chamado São Bom Jesus do Ribeirão Grande: justamente no cruzamento mais agitado do interior paulista nos séculos XVII e XVIII.
O cruzeiro de Ribeirão Grande, foi o que restou da povoação
Tido pelos historiadores
como o mais antigo povoado de que se tem notícia por estas paragens
Ribeirão Grande sempre despertou curiosidade e interesse. Dele se sabe
que foi elevado a distrito de Botucatu em 1889, tendo em seus
registros, quando foi incorporado pelo distrito de Espírito Santo do
Rio Pardo (Pardinho) em 1910, três mil moradores. Possuía um cemitério,
ao lado da Igrejinha, vendas, cadeia, açougue, residências. Um povoado
mesmo! No decorrer deste século, já desabitado, teve sempre uma agitada
festa de São Bom Jesus, comemorada em 6 de agosto de todos os anos.
Mas Ribeirão Grande era mais antiga que isso. Existe no cartório do primeiro ofício da Comarca de Botucatu, uma doação de 25 alqueires e meio, feita em dezembro de 1868, por oito casais, para a formação do patrimônio do Santo, em Ribeirão Grande. Diz o escritor Hernani Donato que Ribeirão Grande foi próspera e teve a pretensão de disputar com Botucatu o privilégio de ser indicada freguesia, isso nos tempos da luta de nossa cidade para conseguir sair da condição de simples povoado ligado a Itapetininga.
Sendo tão antigos, o território e o povoado, em que época, realmente, teria nascido Ribeirão Grande? O que de concreto a História nos revela está num requerimento do bandeirante Bartolomeu Paes de abreu, apresentado à Câmara de São Paulo, com data de 1721, solicitando autorização para a abertura de um caminho, por terra, ligando o centro da Capitania às minas do Mato Grosso, recém descobertas. É esse requerimento que fala da existência de uma povoação por estas bandas. O bandeirante, ao declinar o local do início da abertura do que ele mesmo chamou de "Picadam" diz que seu caminho deveria ser iniciado a partir da "ultima povoaçam, da última vila e, também, a partir do morro do Hibiticatú" . São três referências para localizar um mesmo ponto. Mais que suficiente! A última Vila seria Sorocaba. Em 1721, nem Piracicaba, nem Itapetininga, nem Porto Feliz e nem Tietê existiam. Portanto parece não haver dúvidas nesta matéria. A pergunta, então, seria a seguinte: que povoação era essa que ficava tão perto do Morro do Hibiticatú, a ponto de permitir ser uma referência de início do caminho?
Se Ribeirão Grande foi ou não essa povoação, perdida na aurora da ocupação paulista, nos contrafortes do Morro do Hibiticatú, ainda não se sabe. Ribeirão Grande, lá atrás do Posto Maristela, perdeu sua igrejinha em 1973, destruída para dar lugar a um "linhão" da antiga Cesp. Já, então, tinham sido demolidas as residências, os túmulos do cemitério, as vendas e a casa da cadeia e seu território estava reduzido a míseros 4 alqueires, confinados pelo loteamento Ninho Verde. Num dos cantos, delimitado apenas por toceiras de bambús, um gramado precário e uma pequena escadaria de pedras, está o que restou do cemitério. Sob o solo permanecem sepultos 400 cidadãos do antigo povoado.
Hoje Ribeirão Grande é apenas uma referência histórica, mas em outros tempos era por ela que passava o mais antigo caminho de que se tem notícia e que servia aos moradores de cima da serra para se comunicarem com as Vilas de Itapetininga e Sorocaba. Dirigindo-se para o sertão, depois de passar pela povoação, esses viajantes contornavam o rio Jacory e procuravam subir a Serra nas terras da Fazenda do Atalho, que ficava no mesmo caminho, logo adiante de Ribeirão Grande, em plena encosta.
Igreja do São Bom Jesus do Ribeirão Grande à beira do rio Santo Inácio. Demolida em 1973