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José João Cury

Jose João Cury graduou-se (bacharelado e licenciatura) em Línguas Neolatinas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, em 1955. Em 1959 foi aprovado em concurso de ingresso ao magistério secundário e normal do Estado de São Paulo e lecionou na rede pública durante 30 anos, tendo sido Professor no Instituto de Educação Cardoso de Almeida em Botucatu entre 1960 e 1967. Concluiu o Mestrado em Teoria Literária na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1977 com a dissertação "A Quantificação e a Análise dos Dados na Narrativa Teatral" (sob orientação de Décio Pignatari) e o doutorado em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (Escola de Comunicações e Artes) em 1988 com a tese "O Teatro de Oswald de Andrade: a intertextualidade como procedimento estruturante." Desde 1973, foi professor titular de Teoria da Literatura na Universidade Presbiteriana Mackenzie e de Discurso e Estética Teatral na Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, tendo se aposentado em 2008. Publicou um grande número de artigos em periódicos especializados e em anais de eventos, capítulos de livros (além de 2 de sua inteira autoria) e orientou cerca de 20 dissertações de mestrado (veja mais detalhes em seu currículo na plataforma Lattes do CNPq). Recebeu, em 1967 o título de Professor Emérito do Instituto de Educação Cardoso de Almeida e em 1980 a Medalha dos 10 Anos, do Instituto Metodista de Ensino Superior. Atua na área de artes, com ênfase em discurso teatral. Em suas atividades profissionais interagiu com dezenas de colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em sua passagem pela IECA, teve uma participação fundamental na formação de muitos de seus alunos. Abaixo, o depoimento de um de seus ex-alunos do IECA.


Professor Cury: a marca do mestre na Botucatu dos anos 60


Veludo Amando de Barros

    Tenho uma convicção que os heróis anônimos são os que empurram a humanidade pra frente mais que as celebridades homenageadas pela história e pela mídia. Confio na mãe zelosa empenhada em orientar o filho em lições por anos a fio, no pai capaz de levar a habilidade ancestral para um filho querido, num mestre empenhado em entender a ânsia por aprendizado de seus pupilos e fazer deles pessoas inteiras, felizes, produtivas, etc.
    Pois a trajetória do professor Cury se insere nesse cenário. Na modorrenta Botucatu dos anos 60, onde a estratificação social ainda incluía poucos e excluía muitos, numa cidade provinciana onde as “mulheres de família” tinham horário reservado para tomar banho de piscina, na caipira Botucatu onde os negros sempre encontravam obstáculos para se associar aos clubes dos brancos, na conservadora cidade onde nenhuma escola falava sobre sexo, eis que aponta um cidadão elegante, vestido com roupas bem cortadas, cabelo penteado para frente, preocupado em mostrar que a formação estudantil ia além dos números e do raciocínio lógico. Com forte conhecimento de literatura, teatro, poesia, José João Cury literalmente virou a cidade de ponta cabeça ao mostrar a importância de se abrir os sentidos, de se respirar inspiração, de se expressar sentimentos, de se mostrar a alma, de se escancarar o coração. E o que se viu a partir daí foi um desfile sem fim de nomes da literatura brasileira e universal. Fernando Pessoa, Adonias Filho, Clarice Lispector, Carlos Drumond de Andrade, Machado de Assis, Mário de Sá Carneiro, Luis de Camões entraram nos corações e mentes dos jovens de 13, 14, 15 anos e mudaram suas vidas para sempre. Fichas de leitura foram introduzidas para a garotada ter claro que, além da leitura, havia o mergulho no conteúdo, o entendimento, a interpretação. Foi o Cury quem introduziu o conceito de “leitmotif” ou o fio condutor de uma obra, os adolescentes entenderam o conceito de uma linha mestra a conduzir uma narrativa, um romance, uma prosa. Muita gente começou a fazer poesia e alguns talentos ficaram ainda mais claros, como é o caso do Alcides Nogueira, para quem a presença do Cury foi decisiva. A poeta Maria Lúcia Dal Farra também sucumbiu à sedução do Cury e levou sua marca por toda sua carreira literária.
    Para tornar sua aparição ainda mais mágica, a chegada do José João veio acompanhada de ventos novos na música. A Cinderela , no Bosque de Botucatu, além de Elvis,Jorge Ben, Brenda Lee e Cely Campelo, agora tocava Lennon & McCartney. Sim os Beatles chegaram junto com ele e daí para frente tudo foi diferente. Foram anos de ouro, munidos de um forte desejo de trazer o novo, de dar um golpe na vida arcaica, inimiga da expressão, da liberdade, do instinto criativo.
    Certo dia, o Cury precisou ir embora e acabou-se o que era doce. Já tinha enfrentado muitas batalhas, grande parte delas vitoriosas e os corações já tinham sido conquistados. Foi embora, assim como veio, e o ensino em Botucatu nunca mais foi o mesmo. Um educador no sentido amplo do termo, num tempo em que a escola pública tinha dignidade e orgulho.Um homem com vocação para formador. Entrou silenciosamente para a galeria dos heróis da humanidade, aqueles que constroem sem terem os nomes em placas de bronze. Quantos Curys teríamos que ter nas escolas deste país para fazer a vida mais digna, mais rica e com mais magia?
    Quarenta e tantos anos depois, retomamos o contato com o professor Cury por iniciativa do amigo Luiz Fernando  Franklin de Mattos, o nosso Fanto ou Mattinhos. Ele prossegue a mesma figura carismática a convivência com as grandes figuras da literatura fizeram dele um homem ainda mais especial.
    Claro que o Cury teve também de sucumbir à passagem do tempo e esse é mais um motivo para que uma turma grande do IECA se reunisse e entregasse a ele o agradecimento por essa tarefa cumprida com grandeza: um beijo de gratidão. E Botucatu terá que se curvar a este forasteiro portador da renovação, do amor à arte, mensageiro dos grandes poetas pelos séculos afora. Os bons ares nunca mais seriam os mesmos desde sua passagem. Quem conviveu com ele, haverá de passar para frente as lições de vida trazidas em seus cadernos. Para quem não o conheceu, permanecerá a lenda.


12 de maio de 2010.